Nota #9 - Cordão: nós e outras amarras ao redor do umbigo
- Aline Romero
- 5 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
Há algumas semanas, meu filho mais novo completou um ano. Um ano de noites em claro, de camisas cheirando a leite materno, de sorrisos cansados, de febres inesperadas, choros de saudade, da comida fria no prato, da memória inexistente, dos convites negados. Um apanhado só dos episódios nada inéditos do primeiro ano de vida. Uma verdadeira montanha russa de acontecimentos e estados emocionais.
E ainda sobre aniversários, há algumas semanas foi aniversário da filha de uma grande amiga a qual, inclusive, sou madrinha, e ela, a mãe, compartilhou uma fala sobre maternidade que me deixou pensativa. Ela dizia assim: quando um filho celebra seu aniversário também se comemora o aniversário da mãe. E me perguntei por qual motivo celebraria. O fato óbvio de ser mãe? Imagino que sim, mas existe mais lá no fundo. Talvez, pra mim, não seja celebrar a palavra e sim, rememorar. Relembrar quem fui e quem sou hoje, dos hábitos dispersados no meio da rotina, das batalhas mentais traçadas para desafiar o próprio limite, de um tempo eterno batendo no relógio do sol. Me lembro vagamente de como era ser eu antes de ser mãe e isso pode ser a prova mais sincera da profundidade disso.
Dentre todas as mudanças sofridas na vida, a maternidade fica no topo das mais radicais e avassaladoras. Começa com um ventre transformado em casa, alimentando e desenvolvendo um outro corpo desde a primeira célula. Meu corpo que era meu e ninguém mais além de mim sabia viver nele, agora vira desconhecido. Não é apenas o aspecto físico visto no reflexo, mas o olhar em torno da própria imagem, desse atravessar para o outro lado do espelho e encontrar um universo parecido, mas completamente diferente ao mesmo tempo, onde ser quem você costumava ser não serve mais.

São apenas nove meses para lidar com expansões viscerais e mentais. É como um salto em queda livre no mar desconhecido; quando visto de longe e de fora, as ideias sobre ele são imagens efêmeras vividas por outras pessoas. Nadar nesse mar é sentir na pele o toque delicado da água fria e, mesmo a braçadas lentas e gentis, não há ar, apenas água em todo lugar. Me lembra uma imagem de um documentário que assisti já faz alguns anos. Elena (2012), dirigido por Petra Costa, mostra uma cena na qual ela, Elena, está completamente submersa na água. Essa imagem pode revelar distintas interpretações sobre ela: a água por todos os lados e a falta de ar pela queda inesperada, dividem espaço com o silêncio quase absoluto, que é ouvir a própria pele e órgãos se misturando com o mar.
Talvez esse mergulho, sem data marcada de término, fale apenas sobre mim mesma e meus órgãos soltos nesse mar. Um jogo completamente particular sobre balancear os eus de todos os tempos, o olhar do lado avesso do corpo com todos os rasgos à vista.
Bem-vindos à minha nova série: "Cordão: nós e outras amarras ao redor do umbigo". Um conjunto de 10 pinturas que narra a corrida em torno de ser mãe, do resgate de ser mulher e um indivíduo único e a relação com o filho que precisa simplesmente de tudo que ela tem.
Revisão: Cassiana Gorgën
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